Da Itália ao Médio Alto Uruguai
A tradição e costumes da família Fabrizio

(Foto: Isadora Torres)
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Entre as muitas histórias que moldaram o norte do Rio Grande do Sul, destaca-se a trajetória dos Fabrizio, uma família que deixou a cidade de Udine, no norte da Itália, para ajudar a colonizar e transformar a região de Frederico Westphalen. Cleomar Marcos Fabrizio, descendente direto dos pioneiros, carrega em sua trajetória de 60 anos as memórias e os valores que sua família trouxe da Itália. Hoje, como professor e servidor público, ele mantém viva a rica herança cultural de seus ancestrais.
De fala calma e olhar marejado, Cleomar é um guardião da história da sua família. Ele revisita os passos de seus bisavós com precisão, destacando como a imigração italiana moldou não apenas sua família, mas também o tecido cultural e econômico de toda a região.

Meus oito bisavós eram italianos. Essa história está no meu sangue. A vinda deles foi uma jornada de coragem e sacrifício, algo que me inspira todos os dias.
- Cleomar Marcos Fabrizio
Luigi Fabrizio, bisavô de Cleomar, embarcou no navio Berlim em 1883, acompanhado por outros imigrantes italianos. Após atravessar o Atlântico, chegou ao Brasil pelo porto de Rio Grande. A jornada não foi fácil: o grupo enfrentou as condições precárias da viagem e a incerteza do que os esperava em terras brasileiras.
Na 4ª Colônia de Imigração Italiana, na região de Silveira Martins, Luigi recebeu um lote de terra para cultivar. O local, conhecido como Valdebuia, era o ponto de distribuição dos imigrantes recém-chegados. Lá, começaram a construir suas vidas, enfrentando desafios como o desmatamento para o plantio e a adaptação ao novo ambiente.
Com o passar das gerações, a terra na 4ª Colônia tornou-se insuficiente para sustentar as famílias crescentes. Isso levou muitos descendentes de imigrantes a se mudarem em busca de novas oportunidades. Nos anos 1940, os Fabrizio foram pioneiros em Frederico Westphalen, participando de uma segunda onda migratória incentivada pelo governo positivista do Rio Grande do Sul.
“Meu avô foi um dos primeiros a chegar em Frederico. Ele não apenas estabeleceu sua família aqui, mas também contribuiu para a construção da catedral da cidade. Era um período em que a comunidade se unia para erguer sua infraestrutura e fortalecer os laços culturais”, relembra Cleomar.

Ainda hoje existe um monumento em Valdebuia que homenageia as famílias pioneiras. É emocionante visitar e lembrar do sacrifício deles para construir algo do nada.
- Cleomar Marcos Fabrizio
A imigração italiana no Brasil
No final do século XIX, o Brasil enfrentava desafios para ocupar territórios e substituir a mão de obra escrava. Em resposta, o Império Brasileiro implementou políticas que incentivaram a imigração europeia, especialmente de italianos e alemães.
Entre 1875 e 1914, cerca de 1,5 milhão de italianos chegaram ao Brasil, atraídos pela promessa de terras e melhores condições de vida. No sul, encontraram um relevo montanhoso e um clima similar ao da Itália, o que facilitou sua adaptação.
Essas comunidades contribuíram significativamente para a agricultura, a economia e a cultura brasileiras, tornando-se pilares da identidade local.





Apesar das mudanças ao longo do tempo, os Fabrizio mantêm viva a essência de sua herança italiana. A culinária é um dos pilares dessa preservação, com receitas como a “torta mantovana” sendo passadas de geração em geração. Cleomar também valoriza o dialeto vêneto, que ainda é falado em casa durante reuniões familiares.
Além da culinária e do idioma, a religiosidade é outro elemento marcante. A tradição de rezar o terço e participar de missas reforça os laços familiares e a conexão espiritual, mantendo vivas as práticas que seus antepassados trouxeram da Itália.

Aos domingos, é comum meus pais conversarem em vêneto. Tento ensinar às minhas filhas, porque acredito que preservar o idioma é essencial para manter viva a memória dos nossos ancestrais.
- Cleomar Marcos Fabrizio
A importância da gestão familiar
A experiência de escassez vivida pelos imigrantes italianos na Europa os ensinou a valorizar cada recurso. Esse aprendizado moldou uma mentalidade de economia e planejamento que foi transmitida às gerações seguintes. Cleomar acredita que esse traço cultural, muitas vezes visto como austeridade, foi essencial para o desenvolvimento econômico das comunidades italianas no Brasil.
Além de preservar o legado cultural, Cleomar busca expandi-lo para as próximas gerações. Ele planeja obter a cidadania italiana e levar suas filhas para conhecerem Udine, a cidade de origem de sua família. “Quero que elas vivenciem o que nossos antepassados deixaram para trás e entendam a importância de manter nossas raízes vivas”, afirma.
Como professor e pesquisador, Cleomar utiliza sua experiência para destacar a relevância das raízes culturais no desenvolvimento socioeconômico das comunidades. Ele acredita que entender as tradições familiares pode ajudar a moldar estratégias mais eficazes de gestão e comunicação, tanto no setor público quanto no privado.
“Um povo só é forte se valoriza suas raízes culturais. Manter viva essa memória não é apenas um tributo aos nossos antepassados, mas também uma bússola para o futuro”, nos conta Cleomar, com os olhos cheios da água, a voz falhada e o coração repleto de orgulho da sua história.
Fonte: Cleomar Marcos Fabrizio.